CONECTANDO O UNIVERSO DAS ANÁLISES CLÍNICAS E INSTRUMENTAÇÃO ANALÍTICA

Microbiologia clínica: o cenário atual da área e de seus profissionais

Você sabe como a tecnologia tem influenciado a microbiologia clínica? E o papel dos microbiologistas no atual cenário? Fundamental no diagnóstico clínico laboratorial, a microbiologia clínica tem acompanhado a evolução dentro dos laboratórios e, na medida do possível, agregado novas tecnologias, como a espectrometria de massas e a biologia molecular. O portal LabNetwork conversou com três especialistas no assunto, que opinaram sobre a área, suas particularidades e também sobre as exigências e desafios dos profissionais.

Sergio Fracalanzza
Sérgio Eduardo Longo Fracalanzza
, Chefe do Departamento de Microbiologia Médica do Instituto de Microbiologia Paulo Góes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

 

 

Ismar-SBPC
Ismar Barbosa
, médico patologista clínico, um dos coordenadores do livro “Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial: Boas Práticas em Microbiologia Clínica”.

 

Alessandra Saibin
Alessandra de Freitas, coordenadora de microbiologia do Laboratório Sabin. Formada em Biomedicina pela PUC-GO, especialista em Microbiologia pela UFG-GO e em Patologia Clínica pela UNIFESP.

 

A alta tecnologia em equipamentos está presente hoje na rotina da microbiologia clínica? Qual a maior evolução ocorrida na área?

Sergio FracalanzzaA alta tecnologia está presente em todas as especialidades do laboratório clínico, inclusive na microbiologia clínica. No entanto, nesta área, a experiência e o conhecimento teórico-prático do microbiologista ainda são fatores fundamentais para que caracterização de um patógeno e a definição do seu real papel no desencadeamento de uma  doença. Grandes  corporações incluíram a espectroscopia de massas (MALDI-TOF) na rotina laboratorial, agilizando sobremaneira a identificação de microrganismos, mas várias ressalvas ainda existem. Por exemplo, esta tecnologia ainda não está amplamente padronizada para a busca do microrganismo diretamente do material clínico, com poucas exceções, necessitando assim ainda de uma fase de isolamento e/ou enriquecimento do microrganismo presente no material antes de submetê-lo à identificação. A diferenciação entre espécies altamente relacionadas, como, por exemplo, Streptococcus pneumoniae e o grupo Mitis de estreptococos, requer a utilização de provas fenotípicas adicionais para que um nível elevado de certeza seja obtido na identificação. No entanto, pela praticidade, eficácia e alta sensibilidade e especificidade, a espectroscopia de massas deverá ter seu uso cada vez mais difundido.

Ismar-SBPCInfelizmente, em um país com as dimensões do Brasil e com diferentes níveis de recursos, não podemos esperar, ainda, que a alta tecnologia esteja disponível em todos os laboratórios de microbiologia. Estou certo de que também é assim em países desenvolvidos. No Brasil, os grandes centros e laboratórios de grande e médio porte já contam com esta tecnologia instalada e integrando suas rotinas diárias no setor de microbiologia.
Evidenciamos importantes conquistas na área, como os procedimentos automatizados para hemocultura e as implementações na realização do antibiograma, com otimização do tempo e informação da Concentração Inibitória Mínima (CIM) para as drogas testadas, que permite melhor escolha terapêutica e visando melhores resultados clínicos. A CIM representa a mínima concentração do antimicrobiano necessária para inibir a multiplicação de um isolado bacteriano.
Uma grande evolução na área foi a aplicação da espectrometria de massas na microbiologia com a introdução de SM MALDI-TOF, recentemente introduzida nos laboratórios dessa área. A principal vantagem dessa tecnologia sobre outras técnicas laboratoriais para identificação de microrganismos é a agilidade no resultado. Entre a confecção do depósito e a leitura final, um resultado isolado pode ser obtido em menos de 30 minutos. Outro atrativo é o baixo valor de insumos em comparação aos sistemas automatizados de identificação fenotípica.

Alessandra Saibin
Com certeza a alta tecnologia está presente na rotina da microbiologia clínica e a maior evolução ocorrida na área é a nova metodologia para a identificação de microrganismos, a espectrometria de massas que permite realizar a identificação em até dois minutos.

 

 

A biologia molecular já é realidade no laboratório de microbiologia clínica? Qual a sua aplicação e importância? 

Sergio FracalanzzaA ferramenta biologia molecular é bastante utilizada, principalmente em grandes centros ou corporações, mas não na maioria dos laboratórios de pequeno porte que ainda enfrentam mais básicos relacionados ao isolamento e caracterização simplificada dos microrganismos. No entanto, a PCR e a utilização de sondas genéticas têm sido aplicadas na identificação de microrganismos. A grande vantagem da biologia molecular seria a sua utilização na busca do patógenos diretamente do material clínico, o que agiliza o diagnóstico e vários protocolos são publicados com este objetivo. No entanto, a aplicabilidade deles em uma rotina requer uma especialização diferenciada do operador, que nem sempre está presente em um laboratório de menos porte.

Ismar-SBPCPelas mesmas razões apresentadas na resposta anterior, a biologia molecular ainda não é uma realidade em nossos laboratórios. Além disso, a grande maioria desses exames não é coberta pelos compradores de serviços médicos. O laboratório, no entanto, entende a importância da acuidade do diagnóstico microbiológico e o tempo para concluir esse diagnóstico como importantes benefícios para o paciente. Por isso, acaba assumindo o custo da metodologia, uma vez que são laboratórios de excelência e de alto conceito junto à classe médica e aos pacientes, além de estarem inseridos em conceituados hospitais do nosso país.
A biologia molecular no diagnóstico da tuberculose representa, sem dúvida, uma grande vantagem nesta área porque reduz o tempo para conclusão diagnóstica.

Alessandra SaibinCom certeza, os métodos moleculares de detecção rápida e eficaz já são realidade no laboratório de microbiologia clínica. Hoje, associamos velhos conhecimentos com os novos, facilitando os diagnósticos e os tratamentos. É evidente que, em poucos anos, teremos maiores avanços nesta área, que não para de crescer. Esta técnica apresenta diversas vantagens em relação aos métodos tradicionais, como: maior poder de tipificação e discriminação, maior rapidez, bom limite de detecção, maior seletividade, potencial para automação, possibilidade de trabalhar com bactérias que não são cultiváveis.

 

Quais os desafios que o microbiologista clínico enfrenta atualmente?

Sergio FracalanzzaOs desafios são muitos, pois além daqueles tradicionalmente conhecidos há mais de um século, que envolvem a definição de protocolos confiáveis para cada material clínico e, dentro destes, para o isolamento e caracterização do patógeno associado, o que requer sempre uma alta especialização e atualização contínuas do profissional envolvido, temos hoje, graças ao desenvolvimento de tecnologias médicas de suporte ao paciente, além de um desenvolvimento acelerado no campo da terapia, que possibilita a manutenção de grupos significativos de pacientes vivos, fato este que há uma década seria extremamente difícil. A consequência deste avanço é que estas populações fragilizadas são altamente susceptíveis a uma série de microrganismos oportunistas não comuns, fazendo com que o microbiologista tenha que estar atento a estes novos desafios. Além disso, o desenvolvimento da resistência aos antimicrobianos torna vários grupos de microrganismo um grave problema de saúde pública, pois estreita as opções terapêuticas. Mesmo em casos especiais inviabiliza o tratamento com as classes de antimicrobianos atualmente disponíveis. Este problema que se caracterizava principalmente em relação a patógenos hospitalares, hoje se espalha também para a comunidade, como é o exemplo dos gonococos, que foi recentemente declarado como emergência mundial juntamente com outros patógenos clássicos.

Ismar-SBPCA microbiologia talvez seja a área do laboratório que mais mobiliza o conhecimento do profissional, incitando-o, a todo instante, a aplicar seus conhecimentos em decisões importantes. É uma área que tem apresentado grandes mudanças, não somente tecnológicas, mas também do próprio conhecimento, com a introdução de novas drogas, descrição de novos mecanismos de resistência, além de importantes contribuições que o setor provê para as comissões de infecção hospitalar. A microbiologia é uma área dinâmica que se inter-relaciona com os diversos níveis de atuação em um hospital. Ela interage, por exemplo, na comunicação de resultados críticos, resultados prévios de hemoculturas positivas ou culturas positivas de materiais biológicos diversos, antecipando, dessa forma, ações que possam ser tomadas em relação ao tratamento do paciente, além de participar efetivamente das reuniões da Comissão de Infecção Hospitalar pelas valiosas contribuições que pode agregar.
Ainda nas decisões técnicas no setor de microbiologia, exige-se do profissional diagnósticos presuntivos que requerem conhecimentos atualizados, para que ele possa encaminhar o andamento da identificação bacteriana ou isolamentos secundários. São decisões importantes para conduzir e direcionar as etapas seguintes do diagnóstico microbiológico.

Alessandra SaibinO papel do microbiologista tem se tornado mais proeminente nos últimos anos na luta contra as infecções, tanto ambulatoriais como hospitalares. Pelo alerta e monitorização das infecções nosocomiais, os microbiologistas encontram-se na linha da frente no combate às resistências bacterianas, uma das maiores preocupações das Instituições de Saúde, oferecendo resultados rápidos, com precisão e confiabilidade.
O aumento das resistências desafia as terapias mais eficazes. Identificá-las o mais precocemente possível permite tomar medidas proativas e ajustar tratamentos, prevenindo a falha terapêutica.

 

Qual o conhecimento fundamental que o profissional da área deve ter para se manter atualizado?

Sergio FracalanzzaO profissional deve ter um conhecimento sólido nas técnicas microbiológicas, assim como uma base teórica que lhe permita raciocinar quanto ao procedimento que está realizando aliando o conhecimento teórico-prático. Repito que a experiência e conhecimento do profissional são requisitos primordiais, sem os quais qualquer tecnologia, seja convencional ou seja avançada, não surtirão efeito. Cursos de atualização, presença em congressos e simpósios da área, e acesso a bibliografia atual são requisitos fundamentais.

Ismar-SBPCPela sua atuação dinâmica no laboratório, o microbiologista precisa estar constantemente atualizado com as informações que surgem no dia a dia de sua atividade, desde documentos importantes como, por exemplo, o CLSI MS100, atualizado anualmente com as novas recomendações na área microbiológica com padronização de antibiograma para novos microrganismos, recomendações para testar a produção de ESBL em Proteus mirabilis, listagem específica de antibióticos para diversos microrganismos, dentre outras recomendações.  O microbiologista deve ter espírito investigativo e buscar avaliar protocolos, ecologia, epidemiologia e, sobretudo, valorizar etiologias. Deve tomar sempre decisões em grupo, que envolve o médico assistente, ouvir a opinião da equipe e ter a habilidade de avaliar todas as variáveis. Sabemos que o médico depende das informações do laboratório de microbiologia para tratamento das infecções bacterianas em seus pacientes.
Também precisa estar em constante atualização, participando de cursos, seminários, simpósios e congressos nacionais e internacionais, de modo a se manter atualizado nessa área complexa e dinâmica.

Alessandra SaibinEspecialização, modernização, atualização profissional. Estas são palavras – e atitudes – fundamentais para quem deseja se manter atualizado profissionalmente. A microbiologia é uma área de conhecimento que vem passando por evolução significativa nos últimos anos e o profissional precisa manter-se atualizado, conhecendo as novas metodologias disponíveis, os novos mecanismos de resistência bacteriana e as constantes mudanças nas padronizações de pontos de corte para testes de sensibilidade (CLSI/EUCAST). Desta forma o profissional de microbiologia pode melhor auxiliar o diagnóstico e tratamento a nível individual quanto fornecer informações laboratoriais relevantes do ponto de vista de saúde pública.

POSTS RELACIONADOS

APOIADORES PREMIUM

APOIADORES GOLD

MAIS LIDAS