
Por Cristina Sanches
O chamado Testing Point-of-Care (PoCT) designa qualquer tipo de exame diagnóstico feito no ponto de atendimento ao paciente, geralmente fora de ambientes laboratoriais, por um profissional de saúde. A tecnologia dos equipamentos de PoCT permite que sejam realizados exames de análises clínicas de complexidade variada. Isso leva a uma questão: a necessidade de implementação de um robusto sistema de controle de qualidade para assegurar o desempenho analítico e a eficácia dos testes realizados.
Conforme diretrizes nacionais e internacionais, as exigências de qualidade e segurança designadas aos PoCTs, em geral, seguem o mesmo rigor que é aplicado para qualquer tecnologia ou serviço relacionado à saúde. Apesar de serem portáteis, esses dispositivos podem ter complexidades semelhantes às de equipamentos convencionais, exigindo monitoramento rigoroso com ferramentas de controle da qualidade.
Segundo determina a RDC nº786/2023, no Brasil, todo estabelecimento que realiza exames de análises clínicas deve implementar um programa de garantia da qualidade que contemple em um de seus itens o controle da qualidade. Este é composto minimamente pela realização do controle interno e externo da qualidade e deve ser aplicado, de forma individual, por todos os serviços que executam exames de análises clínicas.
“Considerando que a maioria dos erros em PoCTs ocorre na fase analítica, as ferramentas de qualidade são primordiais para monitoramento do processo analítico do estabelecimento, assegurando confiabilidade aos resultados dos pacientes. Não podemos deixar de destacar que a parte educacional (treinamento e capacitação dos profissionais) também faz parte da garantia da qualidade e é fundamental para a operação dos equipamentos, interpretação dos resultados e sua aplicação clínica”, explica Luiza Bottino, gestora de P&D da Controllab.
Carlos Eduardo Gouvêa, presidente executivo da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL), explica que os PoCTs são submetidos aos requisitos técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para obtenção do registro de produto diagnóstico in vitro. Além disso, são restritos a profissionais treinados, bem como a serviços previamente habilitados.

Erros em PoCT
Os principais erros que podem ocorrer em PoCTs são basicamente os mesmos de outros testes, principalmente na fase pré-analítica, como a troca de amostras, coleta inadequada ou pouco volume de material para amostragem – este, aliás, segundo Jorge Terrão, delegado regional da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC) – Rio de Janeiro, é o erro mais comum no uso dos PoCTs.
“Na fase analítica, os erros são muitas vezes decorrentes da não observância adequada do procedimento técnico e do tempo indicado para leitura dos resultados. Sendo assim, o treinamento dos profissionais é fundamental para mitigação desses erros”, comenta Josely Chiarella, diretora técnica da CBDL.

Segundo Luiza Bottino, é consenso entre os trabalhos publicados e documentos de sociedades científicas reconhecidas mundialmente que os erros em PoCT estão quase sempre relacionados a treinamento ineficiente dos operadores.
Para mitigá-los, Luiza comenta que os serviços que executam exames de análises clínicas devem definir um Responsável Legal e um Técnico do Serviço, ambos responsáveis pela qualidade dos exames executados no estabelecimento.
“Conforme a RDC nº 786/2023, os serviços tipo I (farmácias, consultórios) e tipo II (postos de coleta) podem estabelecer um contrato de supervisão com um serviço tipo III (laboratório clínico), ampliando as possibilidades de serviços a serem realizados. Neste caso, o tipo III também deve contribuir para garantir a execução das atividades previstas, conforme a contratualização”, explica a a gestora da Controllab.
Paula Távora, membro titular e líder do Comitê de Testes Laboratoriais Remotos da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML), reforça a necessidade de supervisão especializada, destacando que o gestor do setor de PoCT é essencial para o intercâmbio de informações e troca de conhecimento.

Há casos em que os exames e a leitura dos testes acaba sendo feita por médicos ou enfermeiros, o que, segundo Paula, não é o adequado, pois estes podem não estar totalmente familiarizados com os fatores que podem interferir nos resultados, como limites de precisão, especificidade ou interferentes analíticos por não ser a área de atuação e estudo destes profissionais.
Linaldo Vilar, diretor de Produção da Dasa, ressalta que, nos casos em que os exames sejam realizados por equipes médicas ou de enfermagem, os resultados precisam ser liberados em conjunto com os profissionais do laboratório, já que podem existir outros resultados históricos, complementares e confirmatórios que, somados ao resultado do PoCT, formam o resultado liberado nos laudos técnicos. “Essa interpretação em conjunto garante a manutenção da qualidade técnica, mesmo sem a execução direta no laboratório central, permitindo respostas rápidas e precisas.”
Controle de qualidade no dia a dia
A SBPC/ML recomenda que os laboratórios tenham uma política da qualidade e programas de gestão técnica, de pessoas e da informação do serviço que inclua esta tecnologia em sua rotina ou prestação de serviços. Para isso, os processos aplicados podem utilizar ferramentas estatísticas, indicadores de desempenho e de monitoramento.
“Importante comentar que, em geral, os PoCTs possuem um controle integrado (built-in) que acompanha o dispositivo. Este tem a função de realizar apenas uma verificação eletrônica do dispositivo e/ou do fluxo de amostras, indicando se todos os reagentes presentes estão ativos e funcionando corretamente. No entanto, não monitora condições como precisão, exatidão, sensibilidade, especificidade, variação entre lotes das tiras reagentes, interferência de contaminantes e capacidade do operador, que podem afetar os resultados dos testes”, destaca Luiza.

A RDC nº 786/2023 cita o uso de indicadores de desempenho e comparação em programas de benchmarking. Em âmbito internacional, a norma ISO 15189/2022 também enfatiza a necessidade de monitorar as fases dos processos operacionais através de indicadores de desempenho.
Em relação à periodicidade com que os testes de controle de qualidade devem ser realizados, Josely diz que eles devem ser feitos de acordo com as indicações do fabricante. Na Dasa, que adota um conjunto de diretrizes que inclui o uso de controles externos de provedores de ensaio de proficiência e controles internos comerciais, o monitoramento é realizado a cada troca de lote e também mensalmente.
“Contamos com controles de qualidade sistêmicos que utilizam análises estatísticas e inteligência artificial para garantir a excelência no resultado. No caso dos PoCTs, utilizamos também ferramentas manuais, como planilhas, para registrar e monitorar o controle de qualidade dos testes. Embora eficazes, essas ferramentas estão sendo continuamente aprimoradas por meio de iniciativas de digitalização e automação, visando aumentar a eficiência e reduzir a possibilidade de erros”, ressalta Vilar.

Principais avanços na tecnologia
A tecnologia vem avançando rapidamente na área da saúde e nos testes à beira leito não poderia ser diferente, o que tem permitido, por exemplo, a miniaturização desse produto. “O uso de microchips de fácil leitura já é uma realidade; inclusive as técnicas moleculares foram adequadas para formatos PoCT”, destaca Gouvêa.
“Os principais avanços na área dos PoCTs se deram especialmente nos setores de urinálise, hematologia, marcadores de infarto do miocárdio e monitoramento do diabetes”, destaca Terrão.
Quando o tema é controle de qualidade, essas inovações, que frequentemente introduzem novos métodos, instrumentos, materiais e atualizações de software, exigem adaptações constantes nos controles da qualidade. Garantir a precisão e confiabilidade dos resultados torna-se ainda mais necessário e desafiador, já que dispositivos podem incluir inteligência artificial, conectividade e funcionalidades avançadas.
Vale lembrar, diz Paula, que nem todos os PoCTs têm a conectividade disponível, mas é fundamental que sejam rastreáveis, através de processos manuais, documentos e registros de cada etapa do processo.
“As mudanças demandam validações robustas e treinamentos regulares para acompanhar os avanços e manter padrões elevados de cuidado ao paciente. O controle da qualidade deve garantir um monitoramento contínuo desses dispositivos”, destaca Luiza.
Na Dasa, explica Vilar, mais de 90% dos testes possuem resultados de controle integrados a sistemas que auxiliam na interpretação e incluem barreiras para minimizar erros. “No entanto, a conectividade ainda não é 100% aplicável aos PoCTs, que demandam soluções específicas.”
Resoluções que se aplicam aos PoCTs
– RDC 830/2023: traz a classificação de risco, os regimes de notificação e de registro e os requisitos de rotulagem e instruções de uso de dispositivos médicos para diagnóstico in vitro, inclusive seus instrumentos.
– RDC 665/2022: determina as boas práticas de fabricação de produtos médicos e produtos para diagnóstico de in vitro.
– RDC 786/2023: apresenta os requisitos para o funcionamento de Laboratórios Clínicos, Laboratórios de Anatomia Patológica e de outros serviços que executam as atividades relacionadas aos Exames de Análises Clínicas (EAC).