
Por Cristina Sanches
A espectrometria de massas é uma técnica analítica utilizada para detectar e identificar moléculas de interesse por meio da medição da sua massa e da caracterização de sua estrutura química. Com ela, é possível identificar compostos desconhecidos, quantificar compostos conhecidos, elucidar as propriedades químicas e estruturais de uma molécula, medir a massa molecular de alguns compostos e determinar modificações pós-traducionais de proteínas.
Um espectrômetro de massas é um dispositivo que utiliza campos elétricos e/ou magnéticos para medir a massa da carga de íons, muitas vezes partindo de átomos ou moléculas. Para que a medição ocorra, a substância de interesse clínico deve estar em fase gasosa e ser ionizada. O modo de entrada das substâncias de interesse no espectrômetro de massas é variável: podem ser utilizados cromatógrafos para arraste e separação das substâncias na amostra, ou até mesmo fontes de ionização direta, acopladas ao espectrômetro de massas.
“A funcionalidade principal desse tipo de tecnologia é a flexibilidade de análise nos mais diversos tipos de matrizes e de classes de substâncias, justamente pelo espectrômetro poder ser acoplado a diferentes inlets (modos de entrada de amostra), fazendo com que o potencial de abrangência da técnica aumente significativamente”, explica Taís Fiorentin, especialista de produtos e aplicações para a linha de Espectrometria de Massas na Thermo Fisher Scientific.
Segundo Taís, a funcionalidade dos espectrômetros de massa está principalmente na simplicidade do software, robustez do equipamento em rotina, limpeza básica de fonte de íons e dispositivo de transferência de íons (ion transfer tube) sem a necessidade de quebra de vácuo, além de importação off-line de substâncias de interesse para a metodologia do laboratório a partir de uma base de dados.
Valdemir Melechco Carvalho, pesquisador sênior do Grupo Fleury, explica que, ao longo de mais de duas décadas de uso no diagnóstico laboratorial, a espectrometria de massas passou a ser uma ferramenta essencial para a determinação de centenas de analitos. “Suas aplicações são extremamente diversas, incluindo a quantificação de aminoácidos, esteroides, ácidos orgânicos, vitaminas, marcadores tumorais de baixo peso molecular e proteicos, metais e drogas terapêuticas”, explica
Teste do pezinho – um dos primeiros a utilizar a espectrometria de massas

Na área médica, uma das primeiras aplicações da espectrometria de massas foi na triagem neonatal – o teste do pezinho -, que permite a identificação de mais de 50 doenças.
“A possibilidade de diagnosticar um grande número de doenças ainda nas primeiras horas de vida tem sido possível com o avanço da espectrometria de massas em tandem (MS/MS), que permite realizar o perfil das aminoacidopatias, defeito do ciclo de ureia, distúrbios de oxidação dos ácidos graxos e acidemias orgânicas, além de algumas doenças lisossomais”, explica Sônia Hadachi, farmacêutica, sócia fundadora da Screen For All Palestras e Cursos em Saúde.
Ela explica que a metodologia por MS/MS permite uma análise rápida que avalia várias doenças, o que possibilita que o resultado seja liberado até o quinto dia após a chegada do material no laboratório. Com o resultado em mãos, a equipe da busca ativa entra imediatamente em contato com os responsáveis para realizar os exames complementares para confirmação diagnóstica e agendamento da consulta no centro de referência especializado.
“Isso permite o diagnóstico precoce, em recém-nascidos, de doenças tratáveis, sendo a maioria delas raras, possibilitando o tratamento, na maioria das vezes, antes do aparecimento dos sintomas e permitindo melhorar as consequências das doenças.”
Sônia destaca ainda que existem alguns artigos que demonstram as vantagens em se realizar a triagem neonatal ampliada pela espectrometria de massas em tandem. “Em um desses estudos, foi correlacionado o custo benefício entre uma população rastreada pela triagem neonatal e outra não rastreada (já com sintomas e sequelas das doenças). Os dados mostraram que a triagem reduziria os custos esperados ao longo da vida dos cuidados médicos para os recém-nascidos afetados em US$ 7,2 milhões”1.
Possibilidade de uso em diversas especialidades

Testes baseados na espectrometria de massas já são realidade em quase todas as especialidades médicas. Além do diagnóstico de doenças metabólicas neonatais, suas primeiras aplicações também se deram no monitoramento de drogas terapêuticas, como os imunossupressores.
“A endocrinologia foi uma das pioneiras a adotar a espectrometria de massas como o padrão-ouro em muitos dos exames relacionados a essa especialidade, incluindo a determinação de hormônios esteroidais e marcadores de tumores neuroendócrinos, como as metanefrinas plasmáticas, a tiroglobulina e a cromogranina A”, conta Valdemir Melechco Carvalho ao Portal LabNetwork.
A introdução do MALDI-TOF, uma das variantes da espectrometria de massas, também revolucionou a microbiologia, permitindo a identificação de infecções em questão de minutos. “Outra variante da espectrometria de massas, o ICP-MS, mostrou-se imbatível na análise de metais no sangue e urina, substituindo outras técnicas espectroscópicas nos laboratórios clínicos.”
Carvalho destaca ainda que, mais recentemente, a proteômica baseada na espectrometria de massas possibilitou a implementação de testes inovadores, como os utilizados na caracterização de depósitos amiloides, que são importantes em oncologia, cardiologia e nefrologia, bem como na determinação de marcadores de Alzheimer no plasma.
“O leque de abrangência da espectrometria de massas é bastante amplo, especialmente quando falamos em hifenação com a cromatografia. Existem diversos tipos de cromatografia que são utilizados para separação de substâncias de classes e propriedades químicas diferentes, e, quando unidas, a cromatografia e a espectrometria de massas tornam-se a ferramenta principal de análise diagnóstica. Essa capacidade de hifenação com diferentes sistemas de cromatografia é fundamental para detecção de compostos com diferentes caraterísticas”, explica Taís.
Segundo Carvalho, a espectrometria de massas também tem se mostrado importante para o acompanhamento do tratamento, além do seu papel no diagnóstico de diversas doenças. Um exemplo citado por ele é a análise de tiroglobulina para a detecção de câncer de tireoide residual.
Vantagens da espectrometria de massas

Existem diversas vantagens no uso da espectrometria de massas, com destaque para:
– Possui alta sensibilidade e especificidade: a técnica possui melhor capacidade de identificar e/ou quantificar analitos de interesse mesmo na presença de interferentes, como moléculas semelhantes. Essa característica é vista como uma das maiores vantagens da técnica, considerando que matrizes complexas, como sangue e urina, são abundantemente ricas em substâncias que podem interferir nas determinações;
– Permite incluir mais analitos e consequentemente diagnosticar mais doenças, mesmo depois do método implantado;
– Rapidez no tempo de análise e liberação dos resultados, permitindo uma reconvocação mais rápida para confirmação do diagnóstico.
Taís explica que um analisador baseado em espectrometria de massas tem grande sensibilidade em comparação com outros detectores comumente usados em cromatografia (amperométrico, condutividade, UV-Visível, fluorescência), chegando a níveis de detecção de ppq (parte por quatrilhão), a depender do modelo de espectrômetro de massas e características do analito.
“Além disso, o espectrômetro fornece uma seletividade única, por fazer a detecção por razão massa/carga, o que o diferencia dos demais por não requerer necessariamente separação cromatográfica, na grande maioria dos casos. Um ponto que algumas vezes é considerado como negativo nesse tipo de tecnologia é a necessidade de insumos (solventes, gases, material de preparo de amostra) de alta qualidade para se chegar ao estado da arte da técnica – mas isso se deve justamente à sensibilidade da técnica e, uma vez que o usuário compreende seu potencial, a questão de trabalhar com insumos de alta pureza torna-se totalmente compreensível e é vista como parte de todo conjunto analítico.”
Desafios

Mas ainda existem desafios a serem superados para que a espectrometria de massas possa ser usada em larga escala em análises clínicas. Sônia destaca como principais desafios a serem vencidos:
– Metodologia com alto investimento inicial;
– Necessidade de manutenção preventiva e corretiva;
– Necessidade de uma equipe técnica altamente treinada e capacitada tanto na análise laboratorial como na interpretação dos resultados.
Em relação aos custos para uso da técnica, Carvalho destaca que os investimentos em instrumentação são significativos, devido à complexidade dos espectrômetros de massas, e as oportunidades de comodato não são tão comuns. Além disso, é preciso possuir conhecimento em automação dos procedimentos de preparo de amostra para extrair todo o seu potencial e tornar a técnica mais produtiva e competitiva em comparação com as técnicas convencionais. “Analisadores baseados em espectrometria de massas já foram desenvolvidos com a expectativa de automação completa e tempo de resposta de resultados similar aos analisadores bioquímicos convencionais”, cita ele.
O especialista comenta também que os espectrômetros de massas têm demonstrado um aumento de sensibilidade ao longo dos anos, mas, para certas aplicações, ainda são menos sensíveis que algumas técnicas, como a quimioluminescência.
“A exatidão dos resultados, ou seja, o quão próximos estão do resultado verdadeiro, depende em grande parte da experiência do laboratório no preparo dos reagentes usados na calibração. E a precisão dos resultados pode depender da qualidade da preparação da amostra, o que significa que a incorporação da técnica não substitui a importância do trabalho dos analistas”, diz Carvalho.
Perspectivas para o futuro
Carvalho acredita que a presença da técnica deverá se tornar cada vez mais maior nos laboratórios clínicos devido à qualidade dos resultados obtidos por meio da espectrometria de massas. “Uma das direções desse crescimento será a simplificação da operação, impulsionada por equipamentos mais compactos e automatizados. Ao mesmo tempo, é inevitável a incorporação de espectrômetros ainda mais complexos e sofisticados, como os de alta resolução de massas que são usados em proteômica.”
Referência bibliográfica
1. Feuchtbaum L, Cunningham G. Economic evaluation of tandem mass spectrometry screening in California. Pediatrics. 2006 May;117(5 Pt 2):S280-6.