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Importância da implantação das normas de biossegurança em laboratórios

Por Cristina Sanches

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A dimensão da biossegurança é bastante ampla, existindo uma interface entre os riscos biológicos e os periféricos. foto: Hermes Pardini/Dario Zalis

O conceito de biossegurança teve início na década de 70, quando estudos identificaram que profissionais de laboratórios clínicos e da área da saúde apresentavam uma taxa maior de certas doenças que outros profissionais.

A biossegurança não está relacionada apenas aos modernos sistemas de esterilização do ar ou câmaras de desinfecção das roupas de segurança. Um profissional de saúde que não lava suas mãos com a frequência adequada ou descarta resíduos de maneira incorreta contribui para o surgimento de riscos de contaminação e de acidentes.

As práticas de biossegurança adotadas em laboratórios se baseiam na necessidade de proteger os colaboradores, o meio ambiente e a comunidade da exposição a agentes presentes nestes locais e que representam possíveis riscos. Por isso, os profissionais que atuam nessa área necessitam receber treinamento adequado e atualizações constantes sobre as técnicas que devem ser adotadas para manter o ambiente seguro.

“Para minimizar os riscos presentes em um ambiente laboratorial algumas ferramentas podem ser empregadas, como a Avaliação de Risco. Ela identifica os riscos através de procedimento sistematizado e tem como objetivo implementar ações para prevenir, controlar, reduzir ou eliminar o risco. A importância da avaliação de risco não está somente na estimativa do risco, mas também no dimensionamento da estrutura para a contenção e a tomada de decisão para o seu correto gerenciamento”, explica Andressa Guimarães, biotecnologista do Núcleo de Biossegurança de Bio-Manguinhos/Fiocruz.

Cada laboratório deve desenvolver ou adotar um manual de biossegurança ou de operações que identifique os riscos que podem ser encontrados e que especifique também as práticas e os procedimentos específicos para minimizar ou eliminar a exposição ao perigo.

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Andressa Guimarães, biotecnologista do Núcleo de Biossegurança de Bio-Manguinhos/Fiocruz

Segundo Andressa, após a identificação dos riscos, todas as recomendações de biossegurança devem ser atendidas. A área laboratorial deve ser sinalizada. A sinalização de biossegurança fornece ao trabalhador informações como nível de biossegurança da área laboratorial, agentes biológicos manipulados na área, classe de risco dos agentes, EPIs necessários, identificação de produtos perigosos, entre outros.

“A dimensão da biossegurança é bastante ampla, existindo uma interface entre os riscos biológicos e os periféricos, como os riscos físicos, químicos e ergonômicos. A exposição acidental a determinado risco poderá desencadear outras exposições que poderão comprometer tanto o trabalhador quanto o material amostrado, bem como os equipamentos utilizados”, explica Dener Silva, gerente corporativo da Qualidade e Sustentabilidade do Laboratório Hermes Pardini.

Equipamentos de proteção individual, capelas e cabines de proteção biológica, sistemas de ventilação, bem como outros equipamentos de proteção coletiva, como varas de manobra, sistemas de aterramento, isolamento acústico e isolamento térmico, são utilizados no dia a dia para garantir a segurança dos colaboradores e do meio ambiente.

“Uma das tecnologias também disponíveis são os filtros de ar de alta eficiência”, explica Andressa, de Bio-Manguinhos, “em que as fibras do filtro são feitas de uma trama tridimensional que remove as partículas de ar que passam por ele. O filtro Hepa tem capacidade para filtrar partículas com eficiência igual ou maior que 99,99%”.

Outro item a ser destacado é o planejamento e a avaliação da construção das instalações do laboratório por uma equipe multidisciplinar que envolva profissionais de arquitetura, engenheiros, profissionais de biossegurança e de segurança do trabalho.

 

Dificuldades no gerenciamento da biossegurança

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No Hermes Pardini, a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, a liderança e a área de Segurança do Trabalho realizam acompanhamentos periódicos dos colaboradores para o uso correto dos equipamentos de proteção. foto: Hermes Pardini/Dario Zalis

Mesmo com tantos cuidados, tecnologias, padrões e regulamentação, a maioria dos incidentes em laboratórios ocorre pelo comportamento inadequado dos profissionais. Um exemplo muito comum ainda é o acidente com materiais perfurocortantes, que ocorre geralmente durante o uso e descarte de agulhas e dispositivos similares.

“Embora tenhamos uma norma específica para a área de saúde, a NR 32 – Segurança e Saúde no Trabalho em Serviços de Saúde, muitos profissionais que atuam na área ainda a desconhecem. Mudar a cultura para uma visão preventiva é um dos maiores desafios”, acredita Silva, do Laboratório Hermes Pardini.

Lá, explica ele, a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), a liderança e a área de Segurança do Trabalho realizam acompanhamentos periódicos dos colaboradores para o uso correto dos equipamentos de proteção. “Possuímos um programa de educação continuada que tem por objetivo discutir os procedimentos de trabalho e as normas de segurança, orientando os profissionais sobre a forma correta e segura de desenvolver suas atividades. Temos também um programa específico para profissionais que sofreram algum acidente e que necessitem rever procedimentos ou normas, ou que tenham sido observados descumprindo algum procedimento ou norma, mesmo sem ter sofrido acidente.” Silva explica ainda que no Hermes Pardini os colaboradores que atuam na área técnica passam por um treinamento específico sobre biossegurança e meio ambiente.

Já Andressa conta que o Núcleo de Biossegurança de Bio-Manguinhos oferece aos colaboradores um curso de biossegurança de aproximadamente 40 horas que contempla tópicos de introdução à biossegurança, equipamentos de proteção individual e coletiva, segurança química, lei de biossegurança relacionada à manipulação de organismos geneticamente modificados, arquitetura laboratorial, gerenciamento de resíduos, efluentes laboratoriais, biossegurança na experimentação animal, bem estar e ética em pesquisa com animais, transporte de produtos perigosos por via aérea e terrestre, dentre outros temas.

“Mensalmente, são oferecidos treinamentos nos documentos internos referentes à biossegurança para os profissionais que manipulam agentes biológicos e sempre que necessário são realizadas atualizações”, explica ela. Os principais treinamentos necessários para segurança na manipulação de material biológico são relacionados ao descarte de resíduo biológico, descarte de resíduos perfurocortantes, de filtros de ar onde há manipulação de agentes biológicos, de carcaça animal e outros resíduos provenientes de experimentação animal; sinalização de biossegurança e biosseguridade; procedimento geral em situação de emergência em caso de derramamento de material com risco biológico; descontaminação de equipamento e ou mobiliário encaminhado para movimentação ou alienação; transporte de substância biológica por via aérea e transporte de substância biológica por via terrestre.

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Aryene Goes Trezena, pesquisadora do laboratório de Imunogenética do Butantan

No Instituto Butantan, o treinamento apropriado sobre os riscos potenciais associados ao trabalho desenvolvido, as precauções necessárias para a prevenção de exposição e os procedimentos para avaliação das exposições são feitos por meio de cursos presenciais e leitura de manual de biossegurança próprio da instituição e específico, adotado ou preparado pelo diretor do laboratório.

“O treinamento deve ser contínuo, ou seja, a equipe de funcionários deve receber cursos anuais de atualização ou treinamento adicional, quando necessários, e também no caso de mudanças de normas ou procedimentos”, explica Aryene Goes Trezena, pesquisadora do laboratório de Imunogenética e presidente da Comissão Interna de Biossegurança do Instituto Butantan.

Quando o colaborador se expõe a algum tipo de risco, os acidentes resultantes são imediatamente notificados ao diretor do laboratório. “A avaliação médica, a vigilância e o tratamento deverão ser providenciados. Registros do acidente e das providências adotadas deverão ser mantidos por escrito”, explica Aryene.

 

A Legislação

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A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) surgiu em 1995

No Brasil, a legislação de Biossegurança foi instituída pela lei nº 8.974, de 05 de janeiro de 1995, que criou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Esta lei denomina os níveis de biossegurança em NB-1, NB-2, NB-3 e NB-4. Eles estão relacionados às exigências de segurança na manipulação de agentes biológicos.

“Alguns critérios são importantes para avaliação e definição do nível de biossegurança, como a virulência do agente, modo de transmissão, estabilidade no ambiente, concentração e volume trabalhados, origem do agente (humano, animal, localização geográfica, endemicidade e natureza do vetor), disponibilidade de medidas profiláticas e tratamento eficazes, dose infectante, manipulação do agente patogênico, vias de eliminação e fatores referentes ao trabalhador (como o estado imunológico)”, explica Andressa, de Bio-Manguinhos.

 

Os equipamentos requeridos

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No Brasil, a legislação básica sobre EPI e EPC é a Norma Regulamentadora nº 6 (Equipamento de proteção individual), aprovada pela Portaria GM nº 3.214, de 08 de junho de 1978. foto: Assessoria de Comunicaçao de Bio-Manguinhos

Equipamentos de contenção para NB-1 (laboratórios que manipulam microrganismos que apresentam baixo risco individual e para a coletividade):
Luvas, avental, uniforme ou jaleco com mangas compridas. Obrigatório uso de calçados fechados; óculos de segurança e protetores faciais devem ser utilizados sempre que necessário. O laboratório deve possuir dispositivo de emergência para lavagem de olhos, além de chuveiros de emergência localizados em pontos de fácil acesso.

Equipamentos de contenção para NB-2 (laboratórios que manipulam microrganismos que apresentam moderado risco individual e limitado risco para a comunidade):
Além dos equipamentos de proteção individual indicados no nível 1, os profissionais devem fazer uso de luvas de látex descartáveis. Sempre que o procedimento puder gerar respingos provenientes de materiais biológicos, deverá ser utilizada proteção para o rosto (máscaras, protetor facial e óculos de proteção). A centrifugação, fora da cabine de segurança biológica (CSB), só poderá ser efetuada em centrífuga de segurança e com frascos lacrados, os quais só deverão ser abertos no interior da cabine. Uma autoclave deve estar disponível para que os materiais utilizados e resíduos gerados possam ser descontaminados.

Equipamentos de contenção para NB-3 (laboratórios que manipulam microrganismos que apresentam alto risco individual e moderado risco para a comunidade):
É obrigatório o uso de roupas de proteção apropriadas, além de máscaras, gorros, luvas, sapatilhas, óculos de proteção ou protetores faciais. Devem ser utilizadas CSBs (classe II, B2 ou III) em quaisquer operações com agentes biológicos que incluam manipulação de culturas e de material clínico ou ambiental. Quando um procedimento ou um processo não puder ser conduzido dentro de uma CSB, devem ser utilizadas combinações apropriadas de EPIs, como respiradores e protetores faciais associados aos dispositivos de contenção física como as centrífugas de segurança e frascos selados. A autoclave, preferivelmente a de dupla porta, deve estar localizada no laboratório ou dentro da área de apoio da instalação de biocontenção.

Equipamentos de contenção para NB-4 (laboratórios que manipulam microrganismos que apresentam alto risco individual e alto risco para a comunidade):
A manipulação de agentes biológicos da classe de risco 4 é efetuada em dois modelos de laboratório de contenção: laboratórios para manipulações conduzidas em CSB de classe III e laboratórios para manipulações conduzidas em CSB de classe II, B2; neste caso, realizadas em associação à roupa de proteção pessoal, peça única, ventilada, de pressão positiva, munida de um sistema de suporte à vida protegido por filtros Hepa. Esse sistema deve incluir compressores de respiração de ar, alarmes e tanques de ar de reforço de emergência.

No Brasil, a legislação básica sobre EPI e EPC é a Norma Regulamentadora nº 6 (Equipamento de proteção individual), aprovada pela Portaria GM nº 3.214, de 08 de junho de 1978.

 

A classificação dos riscos

Os riscos individuais e coletivos podem ser classificados em riscos químicos, físicos, biológicos, ergonômicos e de acidentes.

Físicos: caracterizados pelos ruídos, vibrações, radiações, umidade, temperatura, que podem ser gerados por máquinas, equipamentos e condições físicas, além de quedas, escorregões e exposição à material radioativo e a temperaturas altas ou baixas

Químicos: inerentes à manipulação de produtos químicos que podem penetrar no organismo pela via respiratória nas formas de poeira, fumaças, gases, vapores, ou que podem penetrar no organismo por contato e absorção através da pele ou ingestão das substâncias tóxicas.

Biológicos: ocorrem pela manipulação de seres vivos em laboratórios (bactérias, fungos, parasitos e vírus) que são capazes de desencadear doenças devido à contaminação.

Ergonômicos: derivados da posição inadequada de mesas, bancadas, cadeiras e movimentos repetitivos.

Acidentes: são todos os fatores que colocam em risco o trabalhador. Exemplo: máquinas e equipamentos sem proteção, possibilidade de incêndio e explosão, armazenamentos inadequados etc.

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