Desenvolvido para detectar malária, exame está em adaptação para identificar também o Covid-19 em diferentes populações
Uma equipe internacional desenvolveu uma abordagem através de um teste de sangue que permite identificar se um indivíduo foi exposto a uma determinada infecção e quando isso ocorreu. Segundo os autores do estudo, as informações obtidas permitem verificar em detalhes como uma infecção se espalha em uma comunidade e, com isso, melhorar as estratégias de controle e eliminação de infecções, o que é importante principalmente em países de baixa renda.
O trabalho reúne equipes do Walter and Eliza Hall Institute of Medical Research (Austrália), Instituto Pasteur (França) e Universidade de Ehime (Japão).
A técnica foi desenvolvida inicialmente para detectar infecções recentes produzidas pelo Plasmodium vivax, responsável pelo maior número de casos de malária no mundo, e identificar portadores do parasita em estágio hepático, clinicamente silenciosos e indetectáveis, chamados de hipnozoitos.
Com essa finalidade, foi montado um painel de marcadores de exposição sorológica capaz de classificar indivíduos com infecções recentes pelo P. vivax, com alta probabilidade de abrigar hipnozoitos. Os pesquisadores mediram as respostas dos anticorpos IgG a proteínas 342 P. vivax em estudos prospectivos longitudinais realizados no Brasil e na Tailândia, e identificaram candidatos a marcadores de exposição sorológica.
“Os marcadores foram validados através de amostras prospectivas observadas durante um ano obtidas em regiões endêmicas de malária nos dois países e também nas Ilhas Salomão (Oceania). As respostas de anticorpos a oito proteínas P. vivax permitiram caracterizar infecções pelo parasita ocorridas nove meses antes, com 80% de especificidade e sensibilidade”, explica a autora principal, Rhea Longley, do Walter and Elisa Institute.
Segundo ela, essas oito respostas podem servir como um painel de biomarcadores para identificar indivíduos que apresentam risco de infecções recorrentes de malária e devem ser encaminhados a terapia anti-hipnozoito.
Como o método também é capaz de identificar outros micro-organismos patogênicos, ele está em fase de adaptação para detectar e rastrear infecções pelo Covid-19.
O artigo Development and validation of serological markers for detecting recent Plasmodium vivax infection foi publicado em 11 de maio deste ano em Nature Medicine.
Rastrear infecções
De acordo com Ivo Mueller, coautor do estudo, a exposição a vírus, parasitas e bactérias desencadeia respostas imunes, com anticorpos circulando no sangue. Estes podem permanecer por anos, mas com o passar do tempo muda a quantidade de diferentes tipos de anticorpos encontrados.
“Nossa técnica de diagnóstico permite analisar detalhadamente as quantidades de diferentes anticorpos no sangue para identificar se uma pessoa foi exposta a uma infecção específica e, o que é mais importante, quando isso ocorreu” diz o pesquisador.
“Muitos testes de imunidade dão uma resposta simples, ‘sim’ ou ‘não’, para sabermos se alguém tem anticorpos para o agente infeccioso. Nosso teste pode identificar há quanto tempo uma pessoa foi exposta”, acrescenta Mueller, que coordena pesquisas no Walter and Elisa e no Pasteur.
Segundo ele, esta informação é muito importante porque permite rastrear como uma determinada infecção se propaga em uma população e monitorar a eficácia dos programas de controle para verificar se ela voltou a ocorrer.
Mueller destaca que, no caso do Covid-19, o objetivo dessa técnica não é diagnosticar pessoas individualmente, mas monitorar a disseminação da doença. “Em algumas regiões, é possível que o vírus se espalhe sem ser detectado, principalmente durante o próximo ano, com a redução das condições de isolamento social em diversos países. Esse teste pode ser essencial para ajudar a tomar decisões que envolvem a saúde pública.”
Ele acrescenta que a equipe que participa do estudo já começou a analisar o sangue de pessoas infectadas pelo Covid-19 para documentar os tipos de anticorpos que apresentam.
“Nos próximos seis meses esperamos descobrir como esses anticorpos mudam ao longo do tempo. Poderemos usar essas informações para explorar a imunidade em populações maiores”, conclui Mueller.
Problema global
A atual pandemia fez com que o mundo voltasse suas atenções para o Covid-19, enquanto outras doenças deixaram de receber a atenção necessária. Por isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) continua a alertar governos e a comunidade científica sobre a importância de manter ações em outras frentes, entre elas as que procuram combater a malária.
Também conhecida como paludismo ou maleita, a doença foi responsável, em 2018, por 405 mil mortes e 228 milhões de casos registrados em todo o mundo, de acordo com dados da OMS.
Segundo a edição 2020 do Guia de tratamento da malária no Brasil, do Ministério da Saúde, cerca de 99% da transmissão da malária no país concentra-se na região da Amazônia Legal, que compreende nove estados (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) e 808 municípios. Os outros estados e o Distrito Federal — região extra-amazônica — são responsáveis por 1% do total de casos notificados da doença no Brasil, que ocorrem geralmente em áreas de Mata Atlântica. Na maioria, são importados de estados ou países endêmicos.
De acordo com dados da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, apesar de existirem mais de 100 espécies de parasitas do gênero Plasmodium, somente P. falciparum, P. vivax, P. malariae e P. ovale infectam o homem. As duas primeiras são as mais encontradas no Brasil. A P. falciparum é considerada mais patogênica e pode ser mortal quando não é diagnosticada nem tratada precocemente. A P. vivax é responsável pela maioria dos casos notificados no Brasil e no mundo e raramente produz infecções fatais.