
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2020, mais da metade das cerca de 374 milhões de novas infecções sexualmente transmissíveis (IST) foram por clamídia e gonorreia. Essas doenças podem coexistir e muitas vezes não apresentam sintomas ou eles são semelhantes.
Preocupados com essa situação, pesquisadores da Pennsylvania State University – PennState (EUA) desenvolveram um método capaz de detectar as duas patologias simultaneamente, de forma rápida – o resultado é fornecido em apenas dois minutos -, eficaz, com baixo custo e que pudesse ser realizado como um teste laboratorial remoto (TLR).
O estudo foi liderado pelo médico Dipanjan Pan, catedrático da disciplina de nanomedicina na PennState, onde também é professor nos cursos de engenharia nuclear, de materiais e biomédica.
O dispositivo possui um biossensor de fluxo lateral – semelhante ao usado em testes caseiros para Covid-19 – que detecta rapidamente ácidos nucleicos presentes em clamídia ou gonorreia, a partir da coleta de esfregaços cervicais e vaginais. A amostra, que não necessita de processamento prévio, é colocada diretamente em um líquido e o conteúdo flui lateralmente de um reservatório para uma tira de detecção.
A tira contém oligonucleotídeos de cadeia simples (ssDNAs) ou fragmentos de ácidos nucleicos que possuem grande afinidade com genes específicos encontrados em várias estirpes de clamídia e gonorreia. Os ssDNAs mudam de cor quando se ligam aos ácidos nucleicos alvo, o que significa um resultado positivo.
A técnica foi validada utilizando um ensaio baseado em absorvância – capacidade de um material absorver radiações em frequência específica. Cada “sonda” de ssDNA foi ligada a uma nanopartícula de ouro que possui propriedades óticas únicas e muda de cor quando a sonda se liga ao seu alvo. A nanopartícula também aumenta de diâmetro e se agrega a outros complexos de sonda/sensor de nanopartículas para fortalecer o sinal e intensificar a mudança de cor.
Segundo os autores, em testes clínicos com 60 amostras anônimas o método identificou sempre corretamente a clamídia e a gonorreia, sem falsos-negativos. A especificidade foi superior a 97%, o que significa que houve alguns falsos-positivos.
“Esse resultado é tão bom ou melhor que os testes moleculares atuais, como PCR ou de amplificação de ácidos nucleicos”, esclarece Dipanjan Pan. Ele acrescenta que o dispositivo pode ser ajustado para alterar as sequências de DNA sintético nos ssDNAs de modo a identificar outros patógenos.
Importância de um TLR
Segundo o médico, os testes moleculares existentes que conseguem identificar os ácidos nucleicos das bactérias são o padrão atual de atendimento, mas podem ser caros e levar alguns dias de processamento para fornecer o resultado.
Ele destaca a urgência de ter à disposição um TLR baseado na detecção de ácidos nucleicos que ofereça alta sensibilidade, especificidade e usabilidade, além de poder ser utilizado longe dos grandes centros e em locais com poucos recursos.
“Como as coinfecções ocorrem com frequência – até 50% das vezes – e apresentam sintomas semelhantes, a identificação e detecção simultânea de ambos os patógenos é mais eficiente e econômica”, acrescenta Pan.
Problema de saúde pública
De acordo com a OMS, as IST podem ter consequências graves além do impacto imediato que elas representam. Herpes, gonorreia e sífilis, por exemplo, contribuem para aumentar o risco de infecção por HIV.
A transmissão de IST da mãe para o filho pode resultar em morte neonatal, prematuridade, sepse e conjuntivite no recém-nascido, além de deformidades congênitas. A infecção por HPV pode provocar câncer cervical.
Segundo dados da organização, em 2019 ocorreram cerca de 830 mil mortes no mundo como resultado de hepatite B, principalmente por cirrose e carcinoma hepatocelular. Gonorreia e clamídia são as principais causas de doença inflamatória pélvica e de infertilidade em mulheres.
O artigo Highly-Specific Single-Stranded Oligonucleotides and Functional Nanoprobes for Clinical Determination of Chlamydia Trachomatis and Neisseria Gonorrhoeae Infections foi publicado em 23 de outubro de 2023 no periódico Advanced Science.