A Hematologia é uma área rica e cheia de pequenos detalhes a serem explorados. A Beckman Coulter, pioneira na hematologia, traz a Dra. Helena Grotto com o primeiro de uma série de textos sobre hematologia, iniciando pelos monócitos

Ontogenia dos monócitos
Os monócitos fazem parte do sistema mononuclear fagocítico constituído de: monoblastos e promonócitos medulares, monócitos de sangue e macrófagos livres e fixados a tecidos.
O monoblasto, indistinguível do mieloblasto à microscopia óptica, dará origem ao promonócito que sofrerá duas a três divisões mitóticas em aproximadamente dois a 2,5 dias. Dentro de 12 a 24 horas após seu precursor ter completado sua última divisão mitótica os monócitos são liberados para a circulação, onde ocupam os “pools” circulante ou marginal, numa proporção de 1:3,5.
Os monócitos permanecem na circulação de um a três dias, quando migram para os tecidos e órgãos, onde se transformam em macrófagos ou, sob a ação de GM-CSF, M-CSF e IL4 transformam-se em células dendríticas, que estão envolvidas na apresentação de antígenos às células T (Figura 1). A vida média dos macrófagos nos tecidos pode ser de meses a anos.

Morfologia do monócito
A morfologia do monócito é bastante variável: tem um diâmetro entre 12 e 15 µm, o núcleo irregular que pode ser oval, redondo ou convoluto ocupa metade da área celular e geralmente é excêntrico. A cromatina nuclear é fina e rendilhada, entremeada por pequenos grumos. O citoplasma é abundante, irregular, azul-acinzentado claro e contém um número variável de vacúolos ou grânulos azurófilos. Os lisossomas dos monócitos contém hidrolases ácidas e peroxidase, importantes na destruição intracelular de microrganismos.
Os monócitos têm papel importante em vários tipos de doenças e processos infecciosos e inflamatórios. Ao hemograma podemos observar monocitoses e monocitopenias em diversas situações.
São causas de monocitose: doenças infecciosas bacterianas, virais e fúngicas, doenças inflamatórias crônicas, doenças do tecido conectivo como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico e sarcoidose, doenças autoimunes e neoplásicas, infarto agudo do miocárdio, tratamento com fatores de crescimento celular (GM-CSF ou M-CSF), entre outras. As monocitopenias podem estar relacionadas com desordens hematológicos como aplasia de medula, leucemia de células cabeludas, doenças do colágeno, uso de corticoide e radioterapia.
Principais funções das células mononucleares fagocíticas
Estão relacionadas a três principais mecanismos da resposta imune:
– Fagocitose e digestão de microrganismos, material particulado ou restos teciduais
– Interação com antígenos e linfócitos na geração da resposta imune
– Produção de citocinas, mediadores das respostas inflamatória e anti-inflamatória. A função anti-inflamatória exercida pelas citocinas é importante na manutenção da homeostase, na remodelação e cura dos tecidos lesados
– Citotoxicidade, como a eliminação de algumas células tumorais
O monócito em detalhes
Os monócitos, assim como os macrófagos, são células muito plásticas que podem adquirir diferentes fenótipos e funções.
Três classes principais de monócitos podem ser identificadas, de acordo com a expressão dos clusters de diferenciação ou CDs e que conferem participações distintas dessas células durante o processo infeccioso/inflamatório. São elas:
– Monócito clássico: 85 a 90% dos monócitos circulantes. Apresentam CD14++ e CD16-, tem alta expressão de receptores CCR2 para quimiocina, baixa expressão de CX3CR1 e produzem IL-10 (citocina antinflamatória). Tem função fagocítica, sem atributos inflamatórios
– Monócitos intermediários: 5 a 10% dos monócitos circulantes. Expressam CD14++CD16+, expressam receptores Fc para CD64 e CD32, tem atividade fagocítica e inflamatória, são inteiramente responsáveis pela produção de TNF-α e IL-1, além da liberação de espécies reativas de oxigênio e óxido nítrico
– Monócitos não clássicos: 5 a 10% dos monócitos circulantes. Expressam CD14+CD16++, fagocitam pobremente, não produzem TNF-α e IL-1. Sua função não está bem esclarecida, mas aparentemente adquirem características inflamatórias sob ativação, assim como são apresentadores de antígeno. Sabe-se que expandem muito no sangue de pacientes com sepse
Monócito na infecção
Em resposta ao processo infeccioso os monócitos migram da medula óssea para o sangue e daí aos tecidos infectados onde mediam a atividade antimicrobiana direta nesses locais. Além disso, monócitos e/ou células derivadas dos monócitos também migram para os linfonodos e promovem a reposta imune adaptativa.
Os monócitos ativados liberam IL-1 e TNF, que por sua vez vão estimular outras células: linfócitos T, células endoteliais e fibroblastos, que liberam fatores de crescimento que atuarão em diferentes linhagens celulares da medula óssea. Algumas das citocinas produzidas vão recrutar células adicionais e proteínas para a área afetada, implementando a resposta imune.
O início da resposta infecciosa se dá quando receptores de membrana dos monócitos (PRRs: Pattern Recognition Receptors) reconhecem receptores da superfície dos microrganismos (PAMPs: Pathogen Associated Molecular Patterns). Em resposta a esse estímulo os monócitos migram da medula óssea para o sangue e daí infiltram os tecidos dentro de um intervalo de 12 a 24 horas. Para percorrer todo esse caminho, os monócitos alcançam a superfície vascular, aderem firmemente ao endotélio para finalmente passarem entre as células endoteliais por diapedese e assim alcançam o local da inflamação. Os monócitos na circulação têm as funções de fagocitose e apresentação de antígenos. Eles removem microrganismos, materiais estranhos ao organismo, células mortas ou lesadas.
Na análise morfológica do sangue periférico é relativamente comum observarmos monócitos volumosos, com características “atípicas”, por vezes de difícil descrição, alguns com cromatina mais frouxa, núcleo vacuolizado, citoplasma muito azulado contendo vacúolos, alterações ameboides ou difusas muitas vezes com característica que lembram células mais imaturas. Isso acontece devido à grande estimulação que o monócito sofre durante todo o processo de migração e fagocitose, seguido da liberação de citocinas o que vai dar sequência à toda resposta imune diante de um agente infeccioso.

Um novo parâmetro relacionado ao monócito
Considerando toda a importância e a relevância das funções exercidas pelo monócito na resposta imune inata, é especialmente interessante podermos contar com um parâmetro que indica o grau de ativação dessa células de maneira mais eficaz do que a simples observação morfológica dessas células à microscopia e de uma maneira muito mais rápida e simples do que testes envolvendo tecnologias, embora muito precisas e eficazes, mais sofisticadas e custosas como o uso de marcadores celulares fluorescentes usando citometria de fluxo.
Hoje temos um parâmetro obtido junto ao resultado do hemograma, sem reação ou reagente adicionais e que nos indica a possibilidade de estarmos diante de um caso grave de infecção: o MDW – Monocyte Distribution Width.
O MDW é um índice que avalia a distribuição do volume dos monócitos de acordo com o grau de ativação dessa célula frente a uma infecção. Durante o processo infeccioso, a célula é ativada e sofre alterações morfológicas e funcionais. O aumento e a heterogeneidade do volume da população de monócitos é uma dessa manifestações, o que vai gerar um alargamento na curva de dispersão dos monócitos, semelhante ao que acontece aos glóbulos vermelhos e o RDW, já nosso conhecido como auxiliar no diagnóstico das anemias. E como o RDW é um parâmetro obtido junto com o hemograma, sem nenhuma reação ou reagente adicionais, ou seja, fornece a informação sobre a funcionalidade do monócito rapidamente, em paralelo aos demais resultados do exame hematológico.

O gráfico de dispersão de acordo com o volume dos monócitos (Figura 4), mostra uma curva, onde na parte central é obtido o volume médio dos monócitos, semelhante ao VCM das hemácias, e a medida de 1 desvio padrão dessa média corresponde ao MDW.

No caso de um quadro infeccioso onde a dispersão dos monócitos fica mais alargada, o gráfico é estendido para que toda a população de monócitos possa ser analisada (Figura 5).

O MDW na prática clínica
Vários estudos têm mostrado a aplicabilidade do MDW nos departamentos de emergência na detecção precoce da sepse e como preditor da gravidade da infecção, o que possibilitou que o MDW tenha sido aprovado pelo FDA como um indicador precoce da sepse. Seu desempenho tem se mostrado semelhante ou superior a outros biomarcadores rotineiramente utilizados na rotina clínica na identificação sepse.
Saiba mais detalhes sobre esse parâmetro e a sua importância na detecção da sepse, sua performance comparada a de outros biomarcadores nas próximas publicações ou clicando aqui.
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